Por: Ricardo Gondim
Não tem jeito. Sou feliz e nostálgico. Curto cada instante. Gosto de perceber imperceptibilidades. Amo as entrelinhas do texto, as sutilezas do olhar e do sorriso. Mas lido mal com as saudades. Não me conformo com o galope do tempo, que some com os meus queridos. Perder dói demais. Não suporto álbuns. Revejo fotografias, antigos sorrisos, a saúde inabalável dos que estavam vivos e sei, vou passar o dia acabrunhado. Há lugares que agulham o meu coração.
Não tem jeito. Sou desembaraçado e introvertido. Enfrento os espaços públicos com desenvoltura. Sei falar com uma multidão. Debulho argumentos com a oratória. Comunico e ilustro. Minha dicção é razoável. Disfarço o sotaque. Também transito com certa facilidade em espaços privados. Entro e saio de pequenas reuniões com traquejo. Travo, porém, nos ambientes íntimos. Nutro a sensação de que certos segredos da alma devem acompanhar-me ao túmulo. Gaguejo quando preciso explicar o porquê de alguma atitude. Hesito em abrir os porões da alma.
Não tem jeito. Sou quieto e nervoso. Gosto de ficar em casa, do cheiro do meu travesseiro, de ver a noite engolir o dia, de dias chuvosos, de silêncio. Por outro lado, inquieto-me com pensamentos enlatados. Adoro a tensão das idéias. Discuto com as veias do pescoço. Quero perguntar, seguir adiante com inquietações. Permitir que a navalha da dúvida corte qualquer crença absolutizada por minha preguiça. Gosto de anarquistas, livres pensadores, poetas, trovadores e escritores, que trucidam o texto com metáforas arrasadoras.
Não tem jeito. Sou esperto e ingênuo. Sou vidente para perceber maldade. Mas acredito na amizade de quem jura companheirismo. Tenho intuição feminina para notar hipocrisia. Mas acho que todos os meus conhecidos são leais. Noto lágrimas forçadas. Mas não me protejo do estilete de quem imaginava querido.
Não tem jeito. Sou corajoso e covarde. Ouso e depois tremo. Arrojo e depois lamento. Escrevo e depois choro. Às vezes escrevo coisas que deveria manter escondidas. Para manter o sucesso prematuro, que me fez conhecido de caciques religiosos, eu deveria me amordaçar. Todavia, sou inconsequente. Aceito, tempestivamente e de peito aberto, o ringue dos debates. Acabo destroçado pelos argutos professores de teologia. Recebo a pecha de herege, tolo e bobo. Ferido, penso em me aposentar. Sumir para um lugar ermo. Mudar de nome e frequentar o clube literário da cidade; simplesmente viver.
Não tem jeito. Sou teimoso e hesitante. Digo: vou continuar com a determinação do jagunço, com persistência da rendeira, com a dureza do jangadeiro. Pouco depois, quero tirar o site do ar. Dizer aos meus muitos críticos que eles têm razão: mereço o fogo mais intenso do inferno; não deveria expor o esforço de ser eu mesmo. Tem horas que penso revidar, espinafrar partir para o ataque. Contudo, sem mais nem menos vem a vontade de pedir a todos que tenham misericórdia de mim; como não posso arvorar-me a nada, condeno-me a ser um eterno aprendiz.
Soli Deo Gloria
fonte: http://www.ricardogondim.com.br
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