quinta-feira, julho 09, 2009

Cuidado e responsabilidade são a ética para esta nova era


Por: Leonardo Boff

Como seres sociais, precisamos elaborar certos consensos

Nenhuma sociedade no passado ou no presente vive sem uma ética. Como seres sociais, precisamos elaborar certos consensos, coibir certas ações e criar projetos coletivos que dão sentido e rumo à história. Hoje, devido à globalização, constata-se o encontro de muitos projetos éticos, nem todos compatíveis entre si. Face à nova era da humanidade, agora mundializada, sente-se a urgência de um patamar ético mínimo que possa ganhar o consentimento de todos e assim viabilizar a convivência dos povos.

Uma permanente fonte de ética são as religiões. Essas animam valores, ditam comportamentos e dão significado à vida de grande parte da humanidade que, a despeito do processo de secularização, rege-se pela cosmovisão religiosa. Como as religiões são muitas e diferentes, variam também as normas éticas. Dificilmente se pode fundar um consenso ético baseado somente no fator religioso. Qual religião tomar como referência? A ética fundada na religião possui, entretanto, um valor inestimável por referi-la a um último fundamento, que é o Absoluto.

A segunda fonte é a razão. Foi mérito dos filósofos gregos terem construído uma arquitetônica ética fundada em algo universal, exatamente na razão, presente em todos os seres humanos. As normas que regem a vida pessoal chamaram de ética e as que presidem a vida social chamaram de política. Por isso, para eles, política é sempre ética.

Não existe política sem ética. Essa ética racional é irrenunciável, mas não recobre toda a vida humana, pois existem outras dimensões que estão aquém da razão, como a vida afetiva, ou além, como a estética e a experiência espiritual.

A terceira fonte é o desejo. Somos seres, por essência, desejantes. O desejo possui uma estrutura infinita. Não conhece limites e é indefinido por ser naturalmente difuso. Cabe ao ser humano dar-lhe forma. Na maneira de realizar, limitar e direcionar o desejo, surgem normas e valores. A ética do desejo se casa perfeitamente com a cultura moderna, que surgiu do desejo de conquistar o mundo. Ela ganhou uma forma particular no capitalismo. E o faz excitando de forma exacerbada todos os desejos. Pertence à felicidade a realização de desejos, mas, sem freios e controles, pode pôr em risco a espécie e devastar o planeta. Precisamos incorporá-la em algo mais fundamental.

A quarta fonte é o cuidado, fundado na razão sensível e na sua expressão racional, a responsabilidade. O cuidado está ligado essencialmente à vida, pois essa, sem o cuidado, não persiste. Daí haver uma tradição filosófica que vem da Antiguidade (a fábula-mito 220 de Higino) que define o ser humano como um ser de cuidado. A ética do cuidado protege, potencia, preserva, cura e previne. Por sua natureza, não é agressiva, e quando intervém na realidade o faz tomando em consideração as consequências da intervenção. Vale dizer, responsabiliza-se por todas as ações humanas. Cuidado e responsabilidade andam juntos.

Essa ética é hoje imperativa. O planeta, a natureza, a humanidade, os povos, o mundo da vida (Lebenswelt) estão demandando cuidado e responsabilidade. Se não transformarmos essas atitudes em valores normativos, dificilmente evitaremos as catástrofes. Os problemas do aquecimento global e o complexo das crises só serão equacionados no espírito de uma ética do cuidado e da responsabilidade coletiva.

A ética do cuidado não invalida as demais éticas, mas as obriga a servirem à causa maior que é a salvaguarda da vida e a preservação da Casa Comum para que continue habitável.
fonte: http://www.otempo.com.br/otempo/colunas/?IdEdicao=1344&IdColunaEdicao=8947

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