quinta-feira, junho 25, 2009

O Rico e seu Camelo

Por: Paulo Brabo




Ilustração de Mateus 19:23-24. Um rico tenta entrar pela porta estreita do céu mas suas bolsas de dinheiro o impedem. Atrás dele três homens tentam fazer um camelo passar pelo buraco de uma agulha. Gravura de Phillip Galle (1537–1612) a partir de Maarten van Heemskerck (1498–1574).

DURANTE 1500 ANOS a ética cristã sustentou a exigente e improvável noção, fundamentada no igualmente intransigente ensino de Jesus, de que o desapego aos bens materiais é não apenas virtude, mas sensatez. A ambição, a ganância e o acúmulo de riquezas eram, por sua vez, tidos unanimemente como coisa feia – ao mesmo estúpida e condenável.

Naturalmente havia ricos e esses de certa forma se beneficiavam da popularidade da idéia. Enquanto vissem a pobreza como virtude os pobres não representariam ameaça ao estado de coisas. Porém mesmo os mais abastados senhores não sonhavam com as possibilidades de um sistema como o capitalismo contemporâneo, que é sustentado pela noção oposta e vive de vender incessantemente aos pobres a possibilidade de se tornarem ricos.

Mas não quero me adiantar: falemos desses dias estranhos em que a pobreza era enxergada (e no mundo ocidental!) como virtude.

O principal patrocinador da idéia foi, naturalmente, Jesus de Nazaré, que aparentemente deleitava-se em semear escândalo em todas as esferas. Jesus falava a um mundo que era infinitamente menos competitivo e ganancioso, mas já nos seus dias suas injunções e demandas sobre o dinheiro devem ter soado tremendamente difíceis de engolir:

O amor ao dinheiro é raiz de todos os males.

Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque onde está o teu tesouro aí estará também o teu coração.

O desprezo de Jesus à riqueza material não permanecia no campo da recomendação. Ele vivia frugalmente e parecia crer, contra todo o bom senso, que o indigente se encontra em posição estrategicamente mais vantajosa do que o mais confortável dos ricos.

Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus. Bem-aventurados vós, os que agora tendes fome, porque sereis fartos. Mas ai de vós, os ricos! Porque tendes a vossa consolação. Ai de vós, os que estais agora fartos! Porque vireis a ter fome.

A respeito do que viria a ser chamado mais tarde de “ética do trabalho”, o programa de Jesus é essencialmente hakuna matata – ou, como se diz em bom português, no stress. “Não aindeis ansiosos com o dia de amanhã”, tranqüiliza ele. Jesus chama de imbecil o esforçado empreendedor que previdentemente estocou riquezas em seus armazéns, e finalmente argumenta:

Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura não valeis vós muito mais do que as aves?

Na tradição judaica esse mesmo sentimento já era expresso, para falar a verdade, mil anos antes de Jesus. “Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão que penosamente granjeastes; aos seus amados [Deus] o dá enquanto dormem”, zomba o segundo verso do Salmo 127.

Por mais de mil anos esses conceitos gêmeos, do desapego como virtude e da ambição como vício, permearam a ética cristã e a cultura popular. Ambas faziam parte do caráter inerentemente subversivo da mensagem cristã, que neste campo (como em todos) invertia os papéis e as expectativas tradicionais, louvando o frugal e humilde e colocando o rico e orgulhoso em inesperada desvantagem.

Freado pela ideologia cristã medieval, o capitalismo não encontrava lugar para vir à luz. Permanecia sem forma e sem corpo no limbo, como mera possibilidade – aguardando paciente o momento de nascer.

Sua improvável parteira seria a teologia protestante.


fonte: http://www.baciadasalmas.com/

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