Por: Paulo Brabo

DURANTE 1500 ANOS a ética cristã sustentou a exigente e improvável noção, fundamentada no igualmente intransigente ensino de Jesus, de que o desapego aos bens materiais é não apenas virtude, mas sensatez. A ambição, a ganância e o acúmulo de riquezas eram, por sua vez, tidos unanimemente como coisa feia – ao mesmo estúpida e condenável.
Mas não quero me adiantar: falemos desses dias estranhos em que a pobreza era enxergada (e no mundo ocidental!) como virtude.
O principal patrocinador da idéia foi, naturalmente, Jesus de Nazaré, que aparentemente deleitava-se em semear escândalo em todas as esferas. Jesus falava a um mundo que era infinitamente menos competitivo e ganancioso, mas já nos seus dias suas injunções e demandas sobre o dinheiro devem ter soado tremendamente difíceis de engolir:
O amor ao dinheiro é raiz de todos os males.
Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque onde está o teu tesouro aí estará também o teu coração.
Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus. Bem-aventurados vós, os que agora tendes fome, porque sereis fartos. Mas ai de vós, os ricos! Porque tendes a vossa consolação. Ai de vós, os que estais agora fartos! Porque vireis a ter fome.
Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura não valeis vós muito mais do que as aves?
Na tradição judaica esse mesmo sentimento já era expresso, para falar a verdade, mil anos antes de Jesus. “Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão que penosamente granjeastes; aos seus amados [Deus] o dá enquanto dormem”, zomba o segundo verso do Salmo 127.
Por mais de mil anos esses conceitos gêmeos, do desapego como virtude e da ambição como vício, permearam a ética cristã e a cultura popular. Ambas faziam parte do caráter inerentemente subversivo da mensagem cristã, que neste campo (como em todos) invertia os papéis e as expectativas tradicionais, louvando o frugal e humilde e colocando o rico e orgulhoso em inesperada desvantagem.
Freado pela ideologia cristã medieval, o capitalismo não encontrava lugar para vir à luz. Permanecia sem forma e sem corpo no limbo, como mera possibilidade – aguardando paciente o momento de nascer.
Sua improvável parteira seria a teologia protestante.
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