Para Jesus! Uma Marcha com Donos e Palanques?
Há cerca de um quarto de século, um ministro anglicano no interior da Inglaterra, diante da divisão do Corpo de Cristo e do avanço do Secularismo, teve a feliz idéia de convidar colegas de outras Igrejas para fazerem uma passeata pública, como demonstração de unidade e expressão de fé. Já que a semana que precede o Dia de Pentecostes (no calendário das Igrejas Históricas) é dedicado à unidade dos cristãos, tal evento deveria acontecer sempre no sábado da semana anterior à festa dedicada ao Espírito Santo.
O evento foi denominado de ‘Marcha para Jesus’, e ele deveria ser espontâneo e informal. Organizações como a Jocum, a Primus e a Ichthtus compraram a ideia, e, em 1987, na cidade de Londres, promoveram o primeiro grande evento de massas. Em poucos anos a ideia se propagou por todo o mundo, arrastando multidões cada vez maiores, no que foi jocosamente chamado de “a procissão dos crentes”...
Como tudo no Brasil parece acabar em pizza, samba ou malandragem, eis que a nossa “Marcha” virou marca registrada, patenteada por uma esperta “denominação” pseudo-pentecostal de íntima convivência com o Poder Judiciário daqui e doutras terras. No Brasil a “Marcha” tem dono. Como é um evento único, e uma forma de peitar a sua concorrente a “Marcha do Orgulho Gay”, muita gente tem dela participado, embora a reboque do “apóstolo”, da “bispa”, ou de seus representantes.
E, o que é pior, um ato que em todo mundo é apartidário, aqui virou palanque para os políticos apoiados por seus organizadores, inclusive em ano eleitoral. Políticos a fim de faturar o voto evangélico, e que fazem acordos com os seus organizadores, mas que, conforme seja, não teriam problema em subir nos trios elétricos da colorida marcha concorrente.
O falecido ex-presidente da França, general Charles de Gaulle, afirmou certa vez não ser o Brasil “um país sério” (o que muito nos ofendeu). Mas que às vezes parece que o velho general tem razão, isso parece.
Que Jesus não seja um pretexto, não tenha donos e não seja usado como cabo eleitoral! Cada dia marchemos unidos pelo Evangelho de salvação e transformação.
Robinson Cavalcanti, bispo anglicano.
(...)
Vejam que foto histórica esta publicada no Estadão Online. Lula instituiu ontem o Dia Nacional da Marcha para Jesus. Participaram da cerimônia, realizada no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), o presidente da Câmara, Michel Temer; o senador e “bispo” Marcelo Crivella (PRB-RJ), sobrinho de Edir Macedo, dono da Igreja Universal,;a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o casal da Igreja Renascer Sônia e Estevam Hernandes. Crivella é este que aparece à esquerda, contraindo os olhos enquanto entra em conexão, suponho, com o Espírito Santo. Nunca entendi por que certos religiosos, de qualquer denominação, quando julgam entrar em contato com a Pomba Sagrada fazem essa cara.
Há quem faça coisas ainda mais estranhas. É o caso da “bispa” Sônia e seu marido, o “apóstolo” Estevam. Quando o Espírito Santo está presente, eles desandam a falar línguas estranhas. Mangabeira Unger perde feio. Não sei como se contiveram ontem. Estevam é essa cabeleira grisalha em primeiro plano; Sônia está à sua direita, a cabeleira castanha. Dilma é aquela com ar beato. A foto não deixa de ser um bom retrato do Brasil.
O casal da Renascer acaba de sair da cadeia nos Estados Unidos e já participa de uma solenidade ao lado de Lula e de sua candidata. Não sei se vocês estão lembrados: a dupla tentou entrar naquele país com dólares que não tinham sido declarados, escondidos na capa de uma Bíblia. O leitor cético dirá que estão todos entre iguais. Afinal, a “bispa” e o “apóstolo” apenas portavam “recursos não-contabilizados”.
(...)
Trecho do texto de Reinaldo Azevedo, colunista da Veja.
Nenhum comentário:
Postar um comentário